“Há muitas barreiras a serem vencidas para a valorização do conhecimento indígena”, afirmou a professora Maria Alice, de 41 anos, líder da comunidade Recanto Aldeia Yupirungá Karapãna, localizada no bairro Tarumã-Açu, na zona oeste de Manaus.
É exatamente para quebrar essas barreiras que Alice e outros professores e acadêmicos indígenas da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) se uniram para criar a primeira biblioteca comunitária no Centro de Ciências e Saberes Karapãna. O espaço já é utilizado para diversas atividades da comunidade, como oficinas de escrita de gêneros textuais mais diversos.
Segundo a professora, que é da etnia Karapãna, a ideia para criar uma biblioteca surgiu em 2016, quando ela começou a dar aulas e presenciou as dificuldades dos alunos em ter acesso à internet de qualidade e a livros físicos ou em PDF para pesquisas.
“Não temos materiais específicos na língua materna, alimentação, materiais permanentes e de expedientes ou sala de aula. Mesmo com 24 professores indígenas contratados pela Secretaria Municipal de Educação, há muitas barreiras a serem vencidas”, explica Maria Alice.
Apesar das dificuldades, os professores têm desenvolvido a educação nas comunidades indígenas por meio de iniciativas como a formação da biblioteca, que deverá atender 29 pessoas da comunidade Karapãna.
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O acervo está sendo montado a partir de doações e o espaço será inaugurado no próximo dia 05 de novembro. Por isso, as arrecadações podem ser feitas até o dia 21 deste mês, diretamente na comunidade ou na unidade da Escola Normal Superior.- ENS- UEA. Interessados em doar livros podem entrar em contato com os seguintes números: (92) 98414-7571, (92) 99460-2898 e (93) 99131-2061
Oficinas de leitura e escrita
Outra iniciativa dos professores e acadêmicos da UEA são as oficinas realizadas para desenvolver a leitura e escrita da língua portuguesa para os indígenas. Elas ocorrem tanto na universidade quanto nas comunidades.
Um dos colaboradores do projeto, o acadêmico e escritor Miller dos Santos destaca que as oficinas sempre geram bons resultados.
“A ideia era levar a universidade para além dos muros da academia, algo que a extensão visa alcançar. E poder contribuir com as demandas da comunidade é sempre importante. Criamos um elo de confiança e parceria. Sempre buscamos propiciar esse contato com a leitura e escrita de textos literários, principalmente”, contou.
Miller destaca, também, que muitos indígenas encontram dificuldades em solicitar demandas ao poder público, porque é preciso formalizar os pedidos em documentos na língua portuguesa. Por isso, as oficinas não só promovem o conhecimento como também dão voz às comunidades.
Assim como Miller, a professora e pedagoga Jeane Morepei, da etnia Sateré Mawé, participa das oficinas. Ela é líder da comunidade Waykyru Redenção, na zona centro-oeste de Manaus, e destaca a importância das atividades para a comunidade.
“Aprimorar a língua portuguesa como uma segunda língua, não para sobrepor a língua materna, mas para termos a interculturalidade e assim ter uma boa relação na sociedade. Pois acho muito importante o conhecimento intercultural. Vejo como uma forma de defesa”, explica.
Acadêmica de geografia, Manuela Albuquerque, de 25 anos, da etnia Baré, é uma das alunas que participa das oficinas na UEA. Para ela, o projeto promove a equidade no ensino.
“Muitos colegas meus, assim como eu, precisam de um apoio maior ao ingressar na universidade, até porque eles têm o português como segunda língua. Logo, o projeto nos incentiva a desenvolver a escrita acadêmica através de estudos de outros gêneros da língua portuguesa”, frisa.
Desafios
Para realizar as oficinas, os professores enfrentam alguns desafios. Um deles é a logística, uma vez que a maioria das comunidades estão localizadas em áreas mais distantes da capital e, para chegar até elas, é preciso enfrentar estradas e ramais. Além disso, eles precisam desenvolver novas metodologias.
“É muito desafiador chegar em áreas onde o acesso tem um custo alto. E é assim na maioria das comunidades indígenas. Eles não têm acesso à literatura, nem oficinas como estas do projeto por conta da dificuldade ao acesso”, explicou Jeane.
A pedagoga afirma que gostaria que os projetos tivessem mais incentivo do poder público e que chegassem a outras comunidades indígenas ribeirinhas, onde o acesso a livros ao conhecimentos da língua portuguesa é “muito tardio e precário”.
“Por isso que fico muito feliz quando há esse acesso à biblioteca dentro das comunidades. A grande formação e a possibilidade de buscar conhecimento sem ir muito longe . Além de proporcionar uma leitura e escrita sem sair de sua aldeia”, concluiu.
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