A pesquisa da empresa gaúcha Listening Inteligência Análise Dados, Estratégia e Comunicacão para prefeito de Manaus, divulgada na última segunda-feira (11/3) pela assessoria de imprensa do deputado federal Amom Mandel (Cidadania), pré-candidato à prefeitura de Manaus, é incoerente e apresenta uma série de falhas e resultados totalmente improváveis.
As falhas são observadas desde o registro da pesquisa, com indicação de metodologia inaplicável, utilização de fonte de dados desatualizadas, questionários mal elaborados e distorções gritantes na seleção de bairros da cidade para a realização das entrevistas.
A incoerência considerada mais ‘gritante’ e totalmente improvável, no entanto, se observa no resultado da pesquisa quando a empresa apresenta a simulação de 2º turno entre o deputado federal Amom Mandel e o prefeito David Almeida (Avante).
Pela primeira vez na história de uma pesquisa eleitoral, os votos declarados a todos os outros candidatos, juntos, apresentados em um cenário de 1º turno, migram para um mesmo candidato num cenário de 2º turno.
Entenda:
No resultado da pesquisa estimulada realizada pela Listening para o cenário de 1º turno, os ‘candidatos’ Capitão Alberto Neto (13%), Roberto Cidade (4%), Ricardo Nicolau (3%) e Anne Moura (1%) tiveram, juntos, 21% dos votos. Amom Mandel teve 35% das intenções de voto e David Almeida, 28%. Brancos/Nulo foram 8% e não sabe/não respondeu, 8%.
No entanto, ao simular o 2º turno entre Amom Mandel e David Almeida, inexplicavelmente, Amom, que tinha 35%, aparece com surpreendentes 57% e David Almeida com 29%. Brancos/Nulo foram 8% e não sabe/não respondeu (indecisos), 6%.
Amom cresce 22%, resultado da soma dos 21% de todos os outros ‘candidatos’ e de 1% dos votos dos entrevistados indecisos. Já David consegue crescer apenas 1%, dos indecisos. Estatisticamente isso é totalmente improvável.
O percentual de 22% de intenção de votos que teriam sido transferidos para o deputado federal Amom, corresponde, em números absolutos, a 242 mil eleitores, considerando a expectativa de 1 milhão e 100 mil votos válidos para o 1º. turno da eleição deste ano.
Ao serem questionados sobre qual a opinião sobre os números apresentados pela Listening, as respostas são duras e variam de “essa é a maior incoerência já vista”, “o maior absurdo já verificado” e, ainda, “a maior fraude já observada em uma pesquisa”.
De acordo com especialistas consultados pelo RealTime1, na história da política amazonense, os candidatos mais beneficiados em um segundo turno foram beneficiados com transferência de votos em torno de 60 a 75%.
Brizola x Lula x Collor, em 1989
Somente uma única vez na história de eleições do Brasil se observou um caso de transferência próxima a 100% dos votos.
O fato correu na histórica eleição de 1989 para presidente da República, há 35 anos e que contou com eleitores analfabetos pela primeira vez, assim como jovens de 16 e 17 anos (voto opcional). Quase metade dos eleitores ainda não chegara aos 30 anos e jamais havia votado antes.
Em segundo turno, o gaúcho Leonel Brizola (PDT), conseguiu migrar 100% dos votos que obteve no 1º turno no Rio Grande do Sul para Lula (PT), que disputava o cargo com Fernando Collor (Movimento Brasil Novo).
A transferência de votos, no entanto, não foi suficiente para eleger Lula. Color foi eleito presidente com 46,96% dos votos válidos.
Falhas começam desde o registro da pesquisa
A primeira falha grave da pesquisa foi ter registrado a pesquisa (AM-06981/2024) após ter iniciado a coleta de dados.
De acordo com o registro, as entrevistas com eleitores foram realizadas no período de 28 de fevereiro a 2 de março, mas a pesquisa só foi registrada três dias depois, no dia 5 de março. O que não poderia ser feito, segundo o presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), Duilio Novaes.
No registro, a empresa informa que a metodologia ser utilizada seria a “pesquisa quantitativa aleatória” no entanto essa metodologia não foi aplicada e apresenta aparente incompatibilidade. Para isso, a empresas precisaria ter em mãos a lista com todos os eleitores de Manaus para que todos tivessem a mesma chance de serem selecionados para participar da pesquisa.
Plano Amostral da pesquisa Listening
Para as variáveis de sexo, idade e grau de instrução, a empresa utilizou dados do do TSE de 2024. Os dados do TSE, no entanto, apresentam defasagens, pois a base de dados para essas variáveis é desatualizada.
Para a variável renda, utilizou dados do IBGE Censo de 2010. Ao utilizar uma base de dados com 14 anos de defasagem, a pesquisa pode apresentar desvios. O mais indicado seria utilizar os dados do Censo 2022, que já está disponível.
Bases desatualizadas interferem diretamente no peso de cada um dos subgrupos das variáveis e quando as diferenças são elevadas, podem comprometer a pesquisa provocando um impacto significativo no resultado final do estudo.
No quadro abaixo é possível visualizar a diferença entre os dados mais atualizados disponíveis (IBGE 2022) para as variáves sexo e idade e TSE (Fevereiro 2024) para a variável escolaridade e a base de dados utilizada pela Listening e observar as distorções:
O item de escolaridade é o que apresenta maior discrepância: uma diferença de 14,3% no subgrupo Ensino Médio Incompleto/Completo e de +11,4% no Ensino Fundamental Incompleto/Completo.
Esse é um exemplo clássico de que como a utilização de bases desatualizadas pode alterar o resultado de uma pesquisa.
Para a variável nível econômico a pesquisa utiliza dados do IBGE 2010, de fato o único disponível.
A partir do dia 21 de março o IBGE deverá divulgará o “Censo Demográfico 2022: Agregados por Setores Censitários preliminares: População e domicílios”, apresentando os totais de população residente e de domicílios do País, agregados pelo recorte de Setores Censitários preliminares.
Pesquisa Listening mostra total desconhecimento da cidade de Manaus
Independente de a empresa Listening ser do Rio Grande do Sul, a empresa mostra total desconhecimento da cidade Manaus. ao aplicar a variável geográfica.
Apesar de o Plano Diretor de Manaus dividir a cidade em 6 zonas territoriais (Norte, Sul, Centro-Sul, Leste, Oeste e Centro-Oeste) optar por dividir a cidade em 4 subgrupos (Zona 1, Zona 2, Zona 3 e Zona 4) não seria um problema.
Detalhe: entre os bairros listados sobre como a Praça 14 foi citada, o bairro foi nomeado como sendo dois locais diferentes: “Praça” e “Quatro de Janeiro”.
No entanto, a “amostra representativa do eleitorado” informada pela empresa e delimitada para a pesquisa é um dos erros considerados mais “escandalosos” para uma pesquisa eleitoral.
A proporção das entrevistas realizadas apresenta distorções mais graves e aplica pesos desproporcionais.
Distorções chegam a 13,9% e comprometem a pesquisa
A desproporcionalidade dos pesos das entrevistas aplicadas para os bairros abrangidos pela pesquisa foi confirmada após estudo feito pelo RealTime1 que comparou o percentual de entrevistas realizadas em cada subgrupo (zonas) com os dados tratados do TSE e do IBGE quanto ao número de eleitores/residentes.
Nos bairros da “Zona 1,” por exemplo, a distorção chega a 12,9%. De acordo com dados do TSE e IBGE, a cota de entrevistas aplicadas nos bairros desta “zona” da cidade deveria representar 21,21%. No entanto, a pesquisa considerou 34%.
Nos bairros da “Zona 2”, segundo dados do TSE a cota de entrevistas deveria representar 30,1% (TSE) e de 29,0% (IBGE) . A empresa considerou apenas 21%. Uma distorção de 9% (TSE) e 8% (IBGE).
Na bairros da “Zona 3” os entrevistados para a pesquisa representaram 21%. Dados do TSE e IBGE apontam para uma cota de 27% e 26,7% respectivamente. Deixaram de ser entrevistados cerca de 6% de eleitores dos bairros dessa “zona” da cidade.
Já nos bairros da “Zona 4” a pesquisa entrevistou um número maior de eleitores. A cota de entrevistas deveria representar 21,8%(TSE) ou 23,1% (IBGE) e foram aplicados 25% do total de questionários.
Falhas no questionário da pesquisa Listening
O questionário utilizado pela Listening, que deveria ser um guia a ser utilizado pelos entrevistadores em campo, apresenta falhas consideradas primárias. Não tem sequer uma introdução, apresentado a empresa, o nome do entrevistador e o motivo da pesquisa.
O questionário também não informa ao entrevistado que a empresa segue a nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que protege as informações da entrevista, como é recomendável, e não pergunta se o entrevistado autoriza o uso das respostas das questões. Uma regra adotada pelas empresas de pesquisa.
O questionário não pergunta sequer se o entrevistado é eleitor de Manaus e não indica ao pesquisador que deve encerrar a entrevista caso ele não vote na cidade.
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