O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação em que pede a suspensão das licenças de instalação concedidas recentemente pelo Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam) para empreendimentos da Potássio do Brasil na região de Autazes (AM). As obras incidem sobre áreas tradicionais ocupadas pelo povo indígena Mura, cujas terras estão em processo de demarcação. Além de sobrepor ao território dos Mura, o empreendimento está ao lado de outras duas terras indígenas: Jauary e a cerca de 6 km da terra indígena Paracuhuba.
O MPF aponta ainda que há grave risco ambiental para a região, uma vez que o projeto prevê a perfuração do solo, com a abertura de grandes túneis em profundidade, sem que todos os estudos tenham sido realizados da forma adequada.
As atividades mineradoras da Potássio do Brasil, que constituem o chamado Projeto Potássio Amazonas, são alvo de ação civil pública movida pelo MPF em 2016. O projeto foi paralisado pela Justiça em 2023, uma vez que a Constituição Federal veda a exploração em terras indígenas sem autorização do Congresso Nacional e consulta aos povos afetados. Além disso, à época, a Justiça acatou os fundamentos do MPF e reconheceu que, por envolver impactos em território indígena, cabe ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e não ao Ipaam, emitir o licenciamento ambiental no caso.
Ainda assim, após recursos, o Ipaam seguiu concedendo licenças de construção para a Potássio. Entre elas a LI nº 24/2024, que autoriza a intervenção ambiental para a implantação de mina para extração de silvinita (minério de potássio) pelo método da lavra subterrânea, além de outras licenças que concedem permissão para instalação de estrutura de captação de recursos hídricos, terminal de armazenamento de cargas e terminal portuário no município de Autazes.
Fracionamento de licenças – O MPF assinala que essa estratégia de fracionamento da concessão de licenças ambientais, que é ilegal, é muito utilizada para pressionar os povos indígenas e para aumentar a especulação sobre suas terras. “Se a empresa começar a instalar seus equipamentos e fizer obras porque liberaram uma parte do projeto, depois se argumenta que há muitos custos envolvidos e é muito difícil desfazer o que já está construído. Como consequência, se concedem todas as outras licenças. Com isso, acaba-se por impor o empreendimento a todas as pessoas que sofrerão suas consequências”, diz o texto da ação, assinada conjuntamente por cinco procuradores da República. Por esse motivo, sustenta o MPF, o projeto deve ser analisado em conjunto, e não por licenças individuais.
Terras indígenas impactadas – O projeto em questão se sobrepõe às terras do povo Mura, especialmente às aldeias Soares e Urucurituba, ocupadas há mais de 200 anos pelos indígenas. Mas os impactos vão além. A base de exploração minerária fica a menos de 3 km da terra indígena Jauary, e a cerca de 6 km de outra terra indígena, a Paracuhuba. A magnitude da área afetada, que tangencia diversas terras indígenas, atrai ao Ibama a responsabilidade pelo licenciamento, além de tornar obrigatória a consulta prévia, livre e informada dos povos impactados (lembrando que, por ser sobreposta a terra indígena, da forma como está o projeto, sequer é permitida a mineração, independentemente da consulta aos povos afetados).
Nesse ponto, a própria Justiça reconheceu a impossibilidade de mineração nessas circunstâncias, em 2023, ao atender outro pedido emergencial do MPF relacionado a licenças anteriormente concedidas, também de forma fracionada. Afinal, essa é uma realidade bem distante do que determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), lei internacional incorporada pelo Brasil há mais de 20 anos. A Convenção prevê a realização de consulta prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada a povos indígenas e comunidades tradicionais que tenham seus direitos afetados por qualquer tipo de atividade. O que se verificou neste caso, no entanto, foi um cenário de violações, falsas promessas, ameaças e cooptações dos povos indígenas, inclusive de lideranças Mura.
O protocolo elaborado pelo povo Mura, por exemplo, documento que estabelece um rito de consulta e procedimentos, foi violado, com a realização de reuniões internas com a presença de não indígenas, inclusive da empresa, o que é vedado pelo próprio protocolo de consulta. O documento ressalta a necessidade da presença do MPF nas reuniões, a fim de evitar a cooptação de lideranças frente ao poderio financeiro da empresa. No entanto, justamente na reunião em que se alega que o povo Mura teria aprovado a mineração, nem o MPF nem a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) estavam presentes. “Nem sequer os Muras do território que a Potássio pretende perfurar (comunidade indígena Soares) estavam presentes, ou seja, é como se estivesse negociando bens de outras pessoas”, diz a ação.
O MPF ressalta ser fundamental que as comunidades indígenas de Soares e de Jauary sejam devidamente informadas sobre a existência de jazida de uma mina subterrânea debaixo de suas terras, ficando ciente dos riscos potenciais que decorrem de projetos desse porte (o colapso do subsolo, por exemplo). A ação aponta ainda que a ausência de estudo adequado no projeto torna imprevisível mensurar, neste momento, a extensão dos possíveis danos não só para os povos indígenas, mas para ribeirinhos, toda população e o meio ambiente da região. Aqui a íntegra da ação e seus anexos.
Processo 1014651-18.2024.4.01.3200.
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