O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) ) sabia, há mais de nove meses, que um trecho da BR-319 estava em “situação calamitosa”, com “riscos iminentes” aos motoristas e em situação de emergência. Mesmo assim, o órgão e o Ministério da Infraestrutura não agiram o suficiente para evitar a queda de duas pontes no trecho num intervalo de menos de duas semanas.
A solução encontrada pelo Dnit foi dispensar licitação e contratar uma empresa do interior do Paraná para recuperar erosões em caráter emergencial no trecho da rodovia, no Amazonas, a um custo de R$ 33,8 milhões.
Representante da empresa diz que o empreendimento não tem mais esse contrato e não é o responsável pelo trecho onde as pontes desabaram. O Dnit silencia sobre o contrato.
A queda da primeira ponte, no último dia 28, matou quatro pessoas e feriu outras 14. Ainda há uma pessoa desaparecida. Mais de 100 mil pessoas estão em situação de isolamento em razão do desabamento das duas estruturas, que são responsabilidades do governo federal.
O Governo do Amazonas decretou situação de emergência para os municípios de Careiro, Careiro da Várzea e Manaquiri no dia 10 de outubro. Existe o risco de desabastecimento e até mesmo de falta de energia.
Nas cidades onde há emergência, o isolamento continuava nesta terça (11). Segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), uma autorização emergencial foi concedida para uma empresa fazer o transporte de passageiros e cargas no rio Curuçá, onde desabou a primeira ponte. A mesma empresa levaria cinco dias para providenciar balsas para o rio Autaz Mirim, lugar do segundo desabamento.
Os desabamentos ocorreram nos kms 23 e 25 da BR-319, a menos de 100 km de Manaus. Técnicos do Dnit apontaram calamidade no trecho entre os kms 13, em Careiro, e 178,5, onde se dá o “fim da pavimentação”. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Amazonas confirmou que as duas pontes estão nesse intervalo.
Dnit tinha conhecimento
A área técnica do Dnit no Amazonas apontou uma “situação de emergência” no trecho, “haja vista as condições em que se encontra a BR-319/AM, bem como os riscos iminentes aos quais se expõem os usuários que nela trafegam, devido à situação calamitosa de trafegabilidade no trecho mencionado”.
Uma situação emergencial foi declarada, o que foi confirmado numa portaria assinada pelo superintendente do Dnit no Amazonas, Afonso Costa Lins Júnior.
A portaria é de 28 de dezembro de 2021 e foi publicada no Diário Oficial da União dois dias depois.
Com dispensa de licitação, a empresa A G O Engenharia de Obras, sediada em Medianeira (PR), foi contratada para “serviços emergenciais de recuperação de erosões na rodovia”, entre os kms 13 e 198,2, conforme extrato do contrato.
No mesmo extrato, são identificados os pontos a serem reparados. Entre eles estão três pontos nos kms 23 e 25, onde ficam as pontes, segundo a PRF.
Os serviços deveriam ser executados até 30 de julho e a vigência do contrato seguiria até 27 de outubro de 2022.
Responsáveis não se manifestam claramente
A responsável que atendeu as ligações da reportagem na empresa disse que os sócios não falam a respeito, que outra empresa já detém o contrato, que não há responsabilidade sobre o desabamento das pontes e que uma explicação sobre eventual rescisão contratual deveria ser dada pelo Dnit.
Nem o órgão nem o Ministério da Infraestrutura responderam aos questionamentos da Folha a respeito.
A A G O já recebeu R$ 90,4 milhões do governo federal, segundo dados do portal da transparência do governo federal. Mais da metade foi no governo Bolsonaro. Conforme dados do portal, houve pagamentos do Dnit à empresa dentro do contrato de reparação emergencial de erosões na BR-319.
O órgão, vinculado ao Ministério da Infraestrutura, afirmou, em nota, que uma equipe técnica está no Amazonas para coleta de dados e investigação sobre possíveis causas dos desabamentos. “De posse do laudo técnico, será possível abrir processo administrativo para apurar as responsabilidades”, disse.
O Dnit afirmou que atua na decretação de emergência e em projetos de engenharia para reconstrução das duas pontes e que monitora as demais pontes da região. “A autarquia atua em conjunto com órgãos oficiais para restabelecer o quanto antes o tráfego de veículos e a passagem de pedestres na localidade.”
A primeira ponte desabou em 28 de setembro. A segunda, numa distância de dois quilômetros, no último dia 8.
No caso da primeira ponte, o Ministério da Infraestrutura atribuiu a culpa a caminhoneiros, conforme nota enviada no dia seguinte ao desabamento.
“Havia, na quarta-feira [dia do desabamento], algumas carretas realizando protesto paradas sobre a ponte, o que causou sobrecarga na estrutura e resultou no desabamento”, disse o ministério. As duas estruturas chegaram a ter acesso bloqueado a veículos em razão dos riscos, antes das derrocadas.
O MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas passou a investigar as razões do desabamento. Um ofício foi enviado ao Dnit para que o órgão explique a realização de obras na primeira ponte que desabou.
No começo de setembro, após um questionamento do MPF, o Dnit já havia informado ao órgão que o contrato para a realização de obras emergenciais havia sido concluído e que aguardava um documento técnico com demonstrativo das obras realizadas pela empresa.
O contrato se referia a 18 segmentos da rodovia, o que incluía o trecho da ponte que desabou no fim de setembro, conforme o MPF.
Os procuradores da República cobraram do Dnit informação sobre finalização do contrato com a A G O e se houve conclusão integral das obras previstas para recuperação de erosões.
O órgão vinculado ao Ministério da Infraestrutura também deve informar se houve identificação de risco de desabamento da ponte, quais providências teriam sido adotadas e o que vem sendo feito a respeito depois do desabamento.
O Dnit pediu mais tempo para responder ao MPF, o que foi aceito. O órgão tem mais dez dias, contados a partir do último dia 7, para apresentar as explicações.
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